quarta-feira, 6 de julho de 2011
Vida de pobre
Eu não entendi muito bem o que nossa amiga blogueira quis dizer com loja de pobre, há alguns meses atrás. Isso ficou em minha cabeça e eu fiquei imaginando a melhor maneira de descobrir mais sobre a nossa vida de pobre.
Só há uma maneira de descobrir como é o sofrimento do pobre brasileiro - Sentindo na pele.
São tantos traumas aos quais passamos em nosso dia-a-dia que nos acostumamos, coisa que não deveria acontecer. Quando alguém nos chama a atenção, mesmo em tom de humor, isso nos choca.
Eu me lembro quando surgiram os primeiros restaurantes subsidiados pelo governo paranaense, em Curitiba, não fez muito sucesso.
As refeições custavam um real, um real era pago pelo governo - Até aí, nenhum problema.
O problema é que os comerciantes e seus "fiéis escudeiros", já acostumados a maltratar os pobres, só precisam identificá-los para começarem a bater.
Nos restaurantes populares de Curitiba, era comum algum "cliente" levar algum tapa na orelha, enquanto o bandido, digo, funcionário avisava: "Entra na fila, vagabundo...e anda depressa, tem muita gente para comer."
Recentemente, pude comprovar isso em Londrina.
Enquanto a maioria dos restaurantes cobram vinte ou trinta reais por refeição, por quilo, surgiram alguns restaurantes populares, cobrando cinco reais.
Eu me perguntei como seria possível uma diferença tão grande e fui conferir.
Eu notei que o que atrapalha esses empreendedores, são as leis. A lei proíbe isso, proíbe aquilo, enfim, na lei, os pobres devem ser tratados como gente - Assim começam os problemas.
Num sistema "industrial" de atendimento público, sendo regido pelas nossas leis, não foi possível fixar na parede um aviso: "Por favor, você tem apenas cinco minutos para comer."
Num cubículo de seis metros quadrados, parecendo mais uma sala de tortura, as pessoas comiam apressadamente. A atendente avisava algumas regras da casa: "Quem quiser comer carne, paga separado. Pode-se comer a vontade mas não pode deixar resto no prato, caso isso aconteça, paga-se em dobro."
De vez em quando, alguém era chutado para fora do cubículo: "Você está demorando muito, está atrapalhando os outros."
Havia algumas medidas mais radicais, quando o dono do restaurante saia com um pedaço de pau e acertava alguma pessoa indiciplinada. Bem diferente do restaurante comercial, onde o garçon convida seus melhores fregueses para uma sala vip, apresentando o preço e as vantagens do serviço.
Depois de uma semana, eu pude notar que havia um cozinheiro especialista em luta armada. Infelizmente, para ele, a polícia já estava de olho no lugar e ele foi preso em flagrante, com um facão nas mãos.
Essas torturas lembram muito aqueles circulares interbairros de Curitiba, onde alguns marginais ameaçam estuprar as jovens desacompanhadas.
Quando eu disse que iria pegar um ligeirinho, uma mulher gritou: "Não! Esse é só para rico, custa o olho da cara."
Não me perguntem como essa mulher sabia que eu era pobre.
Logo um homem se aproximou de mim, mas notou que eu era de pouca conversa.
Parece que ele não era de perder viagem, pois, logo a seguir, ele pegou a bolsa da mulher e correu.
Ouvi o grito da mulher e vi que ele estava longe. A mulher me disse: "Vá atras dele."
Eu sabia que não havia chances de alcançá-lo, mas o dia estava um tédio.
Pensei numa maneira de seguir o trombadinha, enquando o seguia. Gritei para um homem: "Segura ele aí."
O homem não fez nenhum gesto, mas foi só quando eu vi o trombadinha com a boca no chão, eu notei que a perna dele havia sido colocada estrategicamente no caminho daquele sujeito.
Aí, vocês já sabem né? - Trombadinha no chão, em Curitiba, é trombadinha morto.
O trombadinha levantou, debaixo de pancada, caminhou cambaleante, enquanto eu chamava a mulher para pegar sua bolsa.
Não me perguntem o que aconteceu depois. O circular chegou, eu entrei, acompanhado pela mulher e sua filha.
Finalmente, tomei coragem e fui conferir uma loja de pobre, em Londrina.
Loja de Pobre: Rede de lojas especializadas em venda no atacado, com uma marketing todo voltado para os pobres.
Nesse tipo de loja, podem ser encontrados computadores, celulares, TVs, roupas, malas, sapatos, cama, mesa, banho, e mais de um milhão de produtos voltados para os pobres consumidores.
Até que essas lojas não são tão ruins, novamente é o tratamento que chama a atenção: "Não vai comprar desocupa, tio. Isso aqui não é passarela não."
"Eu gostaria de pedir para quem não vai comprar, sair da loja, nós estamos aqui para trabalhar."
"Você, aí, que está fumando, saia da loja já. Você não sabe ler não, veja a placa."
Quando eu cheguei em Curitiba, procurei um hotel barato, mas nem imaginava o que iria encontrar. O hotel estava com a janela quebrada, o recepcionista estava armado.
Quando entrei no quarto, não tive dúvidas: "Não há a menor chance de um ladrão entrar aqui" - pensei.
Alem de correntes na janela do quarto, havia uma cerca eletrificada. Como eu estava no último andar, imaginei o destino do larápio que tentasse invadir a minha privacidade.
Levando em conta que, na última vez em que eu estive em Londrina, o meu quarto foi invadido três vezes, não está ruim.
Na terceira vez, deixei a web cam ligada, voltada para a janela. Peguei o cara no flagra.
Antes ele já havia invadido o quarto pela janela do banheiro.
Os trombadinhas de Londrina são menos perigosos que os trombadinhas de Curitiba.
Na rodoviária de Londrina, é impossível não conhecer alguma gangue de trombadinhas; na rodoviária de Curitiba, eles andam armados - Até dois anos atrás, não havia policiamento, só um guarda idiota.
Eu avisei a menina que estava comigo: "Esconda os documentos, o dinheiro, o resto deixe que ele leve."
Foi como se eu nem tivesse avisado, o segundo bandido levou tudo. É, porque o primeiro eu acertei a cabeça dele, quando ele estava tentando pegar a bolsa de uma velhinha.
Não demorou muito para que um novo grupo se organizasse e voltassem armados.
Além de ter de comprar a passagem da menina, ainda fui confundido pelo maldito guarda da rodoviária. Pior para ele.
Hospital de pobre pode ser identificado pela quantidade de filas. Há filas para triagem, filas para informação, filas para consulta, filas de espera de pessoas que estão esperando outras pessoas que estão em filas de espera para poderem serem consultados.
Quando eu perguntei para um velhinho porque ele não trazia uma cadeira, ele disse que o vigia não permitia. "Ele me disse que aqui não é lugar para vagabundo" - respondeu.
Um amigo meu pagou um plano de previdência privada muito especial - Aposentadoria com quinze anos de pagamento.
Quando faltava um ano para terminar, procurou o banco. Foi informado que o tal plano tinha falido.
"Está bem, o plano faliu, mas o banco não." - Insistiu
"É, mas o banco é separado da empresa que administra o fundo de previdência" - Respondeu o atendente.
"Então, porque o fundo de previdência tem o mesmo nome do banco?" - perguntou.
"O Senhor vai me desculpar, mas essa informação nós não temos." - Respondeu o funcionário do banco.
Notem que estamos falando de previdência privada, não me perguntem sobre a pública. A pública é sempre pior que a privada.
By Jânio
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